Após quase cinco horas de argumentação, o procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, afirmou nesta sexta-feira (3) que o caso
conhecido como mensalão “maculou gravemente a República”. Ele pediu ao
Supremo Tribunal Federal a condenação de 36 dos 38 réus do processo.
Ao final da exposição, Gurgel requereu a expedição dos mandados de
prisão "cabíveis" assim que o julgamento terminar. A previsão é de que
as sessões sobre o caso avancem até o início de setembro. A expectativa
era de que réus eventualmente condenados pudessem aguardar em liberdade a
publicação do acórdão da decisão para questioná-lo. Por ser tratar de
decisão da Suprema Corte, a condenação não poderia ser revertida, mas
eventuais penas, sim.
A decisão sobre os mandados de prisão será dos onze ministros do
Supremo. Caso o pedido do procurador seja aceito, os réus condenados
serão presos logo após a decisão final.
Gurgel disse estar “plenamente convencido” de que as provas produzidas
“comprovam a existência do esquema de cooptação de apoio político
descrito na denúncia”. "Demonstramos os graves crimes cometidos. Só não
produzimos a prova impossível. [...] Provas são suficiente para a
condenação dos réus."
O procurador disse que "altas autoridades devem servir de paradigma
para a sociedade" e pediu perdas de cargo, sanções patrimoniais
(devolução de dinheiro) e cassação de eventuais aposentadorias.
Ao concluir, citou trecho da música "Vai Passar", de Chico Buarque:
"Dormia, a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era
subtraída, em tenebrosas transações."
Durante todo o tempo da sessão, ele fez a leitura da peça de acusação,
sem ser interrompido. Foi ouvido pelos ministros do Supremo e por
advogados de réus que estavam na plateia.
'Maculou gravemente a República'Segundo a denúncia
da Procuradoria, o mensalão foi um esquema ilícito de arrecadação de
recursos usados para pagar parlamentares pela aprovação, no Congresso,
de matérias de interesse do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
“Foi o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção, de desvio de
dinheiro público flagrado no Brasil. Maculou gravemente a República. Foi
um sistema de enorme movimentação financeira com objetivo de comprar
votos de parlamentares nas matérias importantes para os líderes
criminosos”, afirmou, em referência aos acusados do núcleo político do
grupo: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT
José Genoino e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.
A acusação de Gurgel ocupou toda a sessão no segundo dia do julgamento,
que começou às 14h25 e terminou às 19h45 - com intervalo de 30 minutos.
Para o procurador, não há provas nos autos para a condenação de dois
acusados: o ex-ministro Luiz Gushiken e Antônio Lamas, irmão de outro
réu.
Em 2006, o ex-procurador Antonio Fernando de Souza denunciou 40
pessoas, mas um morreu (José Janene) e outro fez acordo com Ministério
Público (Sílvio Pereira). Mesmo com o pedido de Gurgel para absolvição
de dois réus, todos os 38 acusados serão julgados pelos ministros do
Supremo.
Com a conclusão da argumentação de Gurgel, serão iniciadas na próxima
segunda-feira (6) as sustentações orais dos advogados de defesa dos 38
acusados. Cada defensor terá até uma hora para apresentar a defesa e
rebater os argumentos do procurador.
No início de sua fala, Gurgel citou a teoria do filósofo Nicolau
Maquiavel e afirmou que “os fins não justificam os meios” quando o
resultado “ignora o que é moralmente correto, juridicamente admissível”.
“Há quem tente justificar a tese de que um político poderia se
comportar de modo disforme à moral comum. [...] Não se justifica o
injustificável”, afirmou. Segundo ele, não se pode ferir “as regras do
jogo democrático, não importando quem sejam os jogadores.”
Líder do grupoDe acordo com Roberto Gurgel, o conjunto de
provas da ação penal é “contundente quanto à atuação de José Dirceu como
líder" do suposto esquema. O procurador usou 26 minutos para acusar o
ex-ministro da Casa Civil.
Na defesa apresentada ao Supremo, José Dirceu negou que tenha utilizado
o cargo de ministro para beneficiar empresas que supostamente
repassavam dinheiro para o esquema. Ele afirmou que as negociações não
partiram do governo e que não tinha controle sobre as finanças do PT.
"Afirmo que a prova é contundente quanto à atuação de José Dirceu como
líder do grupo criminoso.” [...] Nada, absolutamente nada, acontecia sem
a prévia autorização de José Dirceu", declarou o procurador.
Gurgel disse que, “sem risco de cometer injustiça, [José Dirceu] foi a principal figura de todo o apurado”.
“Foi José Dirceu que formatou sistema ilícito da formação da base
aliada mediante pagamento ilícito. [...] Comandou os demais integrantes
para a consecução de seus objetivos. [...] Autor intelectual não envia
mensagem, não movimenta contas, age por intermédio de laranjas, não se
relaciona diretamente com secundários da quadrilha, não deixando rastros
facilmente perceptíveis.”
Uso de carro-forte
Durante acusação aos réus do
processo, o procurador-geral afirmou que funcionários de Marcos Valério,
citado como "operador" e responsável pela obtenção do dinheiro que
abasteceu o esquema, tiveram que alugar um carro-forte para transportar
valores que seriam pagos a parlamentares.
"As agências de Valério, só nesta oportunidade, tinham R$ 650 mil em
espécie, que foram transportados pelo carro-forte. Algo que poucas
agências têm em espécie nos dias de hoje", afirmou, ao ler trecho das
alegações finais que citava que o ex-assessor parlamentar do PP João
Cláudio Genu recebeu dinheiro transportado pelo carro-forte.
Ainda segundo Gurgel, o publicitário Marcos Valério era o “operador do
mensalão” e, conforme os supostos pagamentos e acordos em troca de apoio
político aumentavam, seu papel se tornava mais importante na
organização criminosa denunciada.
“Na medida em que se intensificavam os acordos, ele [Valério] tornou-se
personagem influente com poder até para influenciar os acordos com a
base aliada”, disse. Segundo Gurgel, Valério tornou-se o “homem de
confiança de Dirceu”.
Para o procurador, “Dirceu foi o mentor do esquema enquanto Valério foi
seu principal operador”. “A prova não deixa dúvidas de que Dirceu teve a
ideia, mas era necessário o dinheiro”, disse Gurgel.
Nas alegações entregues ao Supremo, a defesa de Valério confirmou que
foram feitos empréstimos ao PT, mas negou irregularidades. Disse
acreditar que o dinheiro seria usado para quitar dívidas de campanha.
Dinheiro recebido
Gurgel afirmou que parlamentares, outros políticos e assessores
receberam pagamento em dinheiro de várias formas pelo apoio ao governo
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso -
veja quem recebeu dinheiro.
"Todos esses pagamentos estão documentalmente comprovados nos autos.
[...] Em vários casos, temos pagamentos até semanais”, destacou Gurgel,
que relatou casos de saques na boca do caixa em agências do Banco Rural,
entrega de dinheiro em hotéis ou pessoalmente em outros locais
marcados.
Ainda conforme o procurador, o esquema do mensalão ocorria da seguinte
maneira: efetuados acordos com partidos e parlamentares, o acusado de
operar o esquema, Marcos Valério, providenciava o dinheiro e o entregava
aos destinatários indicados por Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT.
Desabafo
No segundo dia de julgamento do processo, o procurador também fez um
desabafo: "Em 30 anos de Ministério Público, completados no dia 12 de
julho último, jamais enfrentei, e acredito que nenhum procurador-geral
anterior, nada sequer comparável à onda de ataques grosseiros e
mentirosos de caudalosas diatribes e verrinas, arreganhos de toda
espécie, por variados meios, por notórios magarefes da honra que não
possuem, tudo a partir do momento em que ofereci as alegações finais
nesta ação penal, tudo evidentemente para constranger e intimidar."
Depois de encerrada a sessão, ele classificou a "quadrilha" que
denunciou como "extremamente arrogante".